Quero começar falando sobre algo que nunca mencionei aqui, que são meus sentimentos em relação ao templo. Tudo o que ele representou na minha vida, no meu passado e tudo o que ele representa agora. Eu pensei muito sobre isso. Eu sei que o templo é sagrado para muitas pessoas que ainda estão lá, que acreditam em todas essas coisas, mas eu quero falar tudo o que eu sentia e tudo o que eu sinto hoje.
Desde muito jovem, assim que me batizei, ouvia maravilhas a respeito do templo. Que ele era sagrado, que Jesus Cristo visitava o templo, que seria o único lugar que ele poderia colocar seus pés nesse mundo. Que apenas pessoas preparadas passariam pelo templo para fazerem convênios mais sérios com Deus. Que a capela era para todos, mas os templos apenas para quem era digno. Era exigido uma recomendação, uma espécie de carteirinha para entrar lá. Mas é claro que na época não pensava assim, que a recomendação era uma espécie de carteirinha. A própria recomendação já era sagrada. Já significava que se a pessoa morresse com uma recomendação válida, ou seja, que não estivesse vencida (porque valia por dois anos, não sei se mudou agora), provavelmente você seria considerado digno de entrar na presença do Senhor. Pensando sobre isso agora, percebo que o templo foi o que me prendeu muito a igreja. Aos 18 anos eu coloquei um título no meu diario para aquele ano: Ser pura para estar no Templo.Que significava que eu não precisava entrar no templo fisicamente, porque eu não tinha idade, mas se eu fosse pura o suficiente, eu poderia estar no templo em todos os momentos e o templo estar em mim. Estou contando isso para mostrar que eu não estava ali de brincadeira não. Eu acreditava em tudo e exigia muito de mim mesma. Eu sonhava em um dia entrar naquele lugar que era santo pra mim. O lugar mais seguro da terra. Eu nem imaginava o que acontecia lá dentro, mas eu tinha certeza que eu sentiria uma paz perfeita e a presença de Deus. Uma pessoa me disse que por eu ser espiritual eu teria muitas experiências espirituais lá dentro. Fazer mais convênios com Deus, com Jesus Cristo, além do batismo. Coisas sérias. Era tudo o que eu queria.
Eu seguia muito os padrões da igreja, de vestimenta e nem me imaginava namorando fora da igreja. Até achava uns garotos interessantes aos 18, 19 anos, que não eram membros, mas eu nem me atrevia a sair da rota. Eu tinha medo do desvio causar a minha indignidade de entrar no templo, de ir pra missão. Mesmo se um bom rapaz não membro quisesse me conhecer, eu bloqueava tudo, não tinha a menor chance.Tudo para que os líderes me dessem a permissão de entrar em um lugar secreto, que me diziam ser sagrado.
Enfim, quando eu desanimava de algum modo, eu pensava e outros também me diziam, que eram as tentações do inimigo, querendo me impedir de entrar um dia no templo, de me casar lá para a eternidade e tal...E logo eu me sentia forte de novo, como se aquilo fosse realmente a missão da minha vida, o castelo da princesa que eu deveria alcançar. Por isso que hoje eu sei que o templo fez a minha ligação com a igreja ser muito forte.
Eu fiz um curso de preparação antes de ir para o templo pela primeira vez. Me lembro que apenas eu e uma amiga minha fizemos na época. Coisas muito "profundas" foram ditas por nossa professora, muitas coisas do livro Doutrinas de Salvação. Me lembro que foi dito que as pessas que não fossem exaltadas, ou seja, que não tivessem sido casadas e que não herdassem esse grau maior dentro do reino celestial, não teriam mais uma identidade sexual, homem ou mulher, não iriam precisar mais disso, ou seja, seriam como anjos. Eu fiquei abalada com aquilo, pensando sobre isso, com medo de perder minha identidade feminina. Aquilo me assustou verdadeiramente e eu pensei: realmente o casamento é importante.
Isso foi algo que me marcou em minha preparação para o templo. Na verdade eles falam preparação, mas é uma coisa que eu sempre questionei, não diretamente a ninguém, mas comigo mesma. Eu pensava: essa preparação é para falar da importância das doutrinas, de ir ao templo depois, usar corretamente os garments, explicando sobre o seu comprometimento. Mas não prepara a pessoa no passo a passo lá dentro, não transmite um entendimento maior. Na verdade é mais a doutrinação mesmo. Infelizmente é uma manipulação para que a pessoa se sinta até com certo temor, caso ela passe pelo templo e não continue na igreja depois. É como se fosse mesmo algo para deixar a pessoa ainda mais acuada. Colocando cada vez mais aquelas ideias na cabeça das pessoas, para que acredite no quão sério é tudo aquilo e a pessoa assuma aqueles compromissos.
Existem muitos requisitos para você ter sua recomendação assinada pelo bispo e presidente de estaca. Cumprir todos os mandamentos que a igreja estabelece, especialmente palavra de sabedoria, não fumar, beber alcool ou café, chá preto, nao usar drogas, cigarros. Pagar o dizimo certinho, dez por cento de sua renda, apoiar os líderes, especialmente o presidente atual da igreja, como profeta, vidente e revelador. E é claro, a castidade, a pureza sexual que é super importante, que também é perguntado sobre na entrevista que você tem.
Eu seguia tudo a risca, guardava o domingo, não comprava nada no domingo, não passeava, só ia para a igreja, fazia visitas, participava de coral e todas as coisas relacionadas ao "dia do Senhor".
Eram muitas perguntas, uma lista imensa. Alguns líderes perguntavam mecanicamente pergunta por pergunta, tudo decorado, as vezes lendo. Alguns tentavam disfarçar como se fosse algo natural, enfim, diversas formas.
E no final aquela pergunta básica, aquela jogada: você se considera digno de entrar na casa do senhor? E isso é uma coisa muito inteligente da parte deles, porque é onde a pessoa se analisa naquele momento, acreditando que aquele é um lugar especial, que é um lugar sagrado. Se ela estiver escondendo alguma coisa ela vai falar, um momento de reflexão total, provocando a sinceridade da pessoa, é como um jogo. Como nunca gostei de mentiras, me preparava sempre para aquela imensa lista de perguntas com a consciência tranquila em relação ao que esperavam de mim.
Para ir ao templo da minha cidade, levava em média umas seis horas. Viajávamos na madrugada em caravana. Quando passei pela primeira vez, fui um pouco antes de ir para a missão, incentivada por uma amiga. Na época havia alojamento em São Paulo então eu fiquei lá por uma semana com os membros da estaca. Foi no final de setembro de 2000 e início de outubro. Sendo que dia 12 de outubro eu teria que estar na CTM. Eu tinha 21 anos na época. Eu passei no templo no dia 03 de outubro do ano 2000.
Voltando a minha primeira ida ao templo, não foi algo que me fez totalmente feliz naquele dia, pelo contrário, achei tudo muito estranho e até mesmo assustador. Não nos falam nada do que realmente acontece, passo por passo. Nem mesmo lá dentro do templo, quando você está se preparando para entrar na iniciatória. Você só vai saber como é quando estiver fazendo. Só seguimos o fluxo, só somos levados.
No primeiro momento, no ritual que se chama iniciatória, quando entramos pela primeira vez, passamos por um momento em que as irmãs colocam um óleo em nossa cabeça de acordo com a oração que elas fazem, é um texto enorme que elas decoram. Eu ficava bem admirada por decorarem um texto enorme. Na minha época, outubro do ano 2000, tínhamos que ficar completamente nuas, apenas com uma bata aberta nos lados. E lá elas colocavam uma gota de óleo na cabeça, na testa, no ventre, enfim. A medida que a oração indicasse os passos. Eu que sempre fui muito tímida, não me senti bem. Em nenhum momento ficávamos completamente nuas, mas o fato de estar somente com aquela bata me causou muita estranheza. Me senti incomodada e invadida. Mas não podia comentar sobre isso com ninguém, por diversos motivos. Eu só fiz porque não tinha como fugir, tive que aceitar aquilo, porque tem toda aquela coisa de ser algo sagrado. De ter que ser daquele jeito porque assim foi revelado e pronto.
Com o passar dos anos, a medida que a igreja notava que as pessoas poderiam até mesmo denunciar esse tipo de coisa, (e parece que houve denúncias e processos), ela retirou alguns momentos constrangedores e há alguns anos não é mais assim, ainda bem. As pessoas não vão mais com a bata, agora vão vestidas.
Depois fui na sessão, que é a próxima parte e recebi um novo nome. Um nome que era sagrado pra mim, porque me disseram que por esse nome seríamos chamadas por nossos maridos na ressurreição. Dependíamos de nossos maridos, dependíamos totalmente de um casamento no Templo para entrarmos na presença de Deus, para sermos exaltadas, para termos nossos orgãos genitais na eternidade, céus! Tudo isso é muito louco.
Bem, esse nome que recebíamos era considerado tão sagrado que não podíamos falar sobre ele nem mesmo dentro do templo. Se durante a sessão alguém se esquecesse, deveria se retirar e ir a um lugar específico, para ser lembrado por um oficiante. Esse novo nome jamais deve ser revelado, o inimigo não poderia sequer imaginar qual seria, então não poderia ser falado fora dos locais determinados. Como Satanás não tem acesso ao templo, conforme dizem, o único local seguro seria lá dentro e mesmo assim, apenas na sala celestial, caso quisesse comentar com o marido. A mulher não poderia saber o nome do marido em nenhuma condição. Satanás não poderia saber porque poderia nos enganar depois da morte. Olha que medo! Eu tinha muito medo.
Eu pensava que aquele era meu nome da pré-existencia, eu pensava que aquele nome naquele dia seria apenas meu, como se fosse uma senha pessoal para a exaltação. E para minha surpresa, depois que saí da igreja, descobri que existe uma lista pronta com nomes para cada dia do mês, e todos que vão naquele dia no templo, recebem o mesmo nome. Ou seja, as irmãs que passaram comigo naquele dia da minha ala, receberam o mesmo nome que eu, tanto para si mesmas ou aquelas que passaram por uma mulher já falecida. Minha própria acompanhante recebeu o meu nome naquele dia! Não sei se ela sabia disso, provavelmente não. Não sabia da existência dessa tabela. Todos estávamos ali sendo enganados, pensando que tudo aquilo era muito íntimo, muito pessoal e sagrado. Mas não! Todo um teatro pra gente pensar que tudo aquilo é sagrado demais. Se alguém se esquece do nome, tem que passar por esse constrangimento de sair da sala, parar a sessão, todos ficarem lá esperando, só para ir em um lugar específico, sendo que todos tem o mesmo nome que você. Qualquer um poderia falar baixinho no seu ouvido e relembrar para você, se eles soubessem que é assim. Claro que muitos sabem. Mas são poucos. Isso explica porque não podemos falar sobre nosso nome fora do templo. Se sairmos do templo e falarmos com uma amiga que também passou pela primeira vez, por exemplo, imediatamente o encanto se quebraria. As duas descobririam que têm o mesmo nome. Saberíamos que nada daquilo foi inspirado, mas que existe tudo esquematizado.
Existe a tabela para homens e mulheres. Tem as tabelas antes de 1990 ou 92, e depois desse ano até hoje. Em todo o mundo os nomes são os mesmos, a cada dia. É só você falar qual foi o dia do mês que passou pelo templo, que alguém que tenha essa tabela saberá qual o seu nome. Essa tabela está na Internet. Isso se repete sempre e sempre.
Eu me sinto tão besta, tão idiota, quando penso que quando fui me casar, sobre uma situação que eu passei: Eu queria ter muita certeza sobre o meu nome. Eu nunca havia falado em voz alta, não havia anotado em nenhum lugar (não podia) e depois de anos queria saber se era o nome que eu pensava. Então eu pedi para saber, perguntei no templo. Alguém importante lá do templo me levou em uma salinha, me mostrou três nomes grandes na parede, foi apontando e me perguntou: seu nome está aqui? Você se lembrou? Daí eu vi que estava, fiquei super admirada que eles realmente soubessem! Claro que eu não podia falar pra ele qual era. Hoje eu sei que como eu informei a data em que eu havia passado no templo, eles sabiam exatamente qual era o meu nome, pois tinham a tabela. Era tão mais simples então me mostrarem a tabela, mas não. Quiseram me comover, mexer com a minha imaginação, com os meus sentimentos, com a fantasia da minha mente. Que achava tudo aquilo incrível demais, muito espiritual e sagrado.
Eu era levada por minhas fantasias, e a igreja alimentava isso, com seus mistérios. Eram pequenas coisas que a igreja simplesmente deixava rolar, quem tivesse dúvidas, precisava orar, sentir a resposta chegar de algum modo. Eles sempre diziam: "Venham ao templo, venham ao templo, vocês vão conseguir as respostas, as dúvidas que você tem serão todas respondidas". Eram respostas que poderiam ser simples, que abririam a mente daqueles que estão imaginando mil coisas, mas eles não querem. Querem manter os membros alienados e sempre procurando por respostas.
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